domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal do Senhor (Missa da Noite)

Introdução
Durante as quatro semanas do Advento, preparamo-nos para a celebração do Natal do Senhor. Gradativamente, as velas da coroa do Advento foram sendo acesas, simbolizando a nossa fé na chegada da grande Luz que dissipa todas as trevas. Para isso, aceitamos entrar num processo de conversão, eliminando todas as formas de egoísmo que impedem a luz de Deus de brilhar em cada um de nós e em toda a criação. As quatro velas representam a universalidade. Jesus é a Luz do mundo: quem o acolhe não andará nas trevas. A expectativa dessa Luz vem de longo tempo. O profeta Isaías Primeiro já a anunciava no século VIII a.C. Essa Luz é portadora de uma vida nova. Ela vem em forma de menino recém-nascido cujo nome é: “Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-para-sempre e Príncipe-da-paz”. Conforme o Evangelho de Lucas, Jesus nasce numa manjedoura, num lugar social próprio das pessoas marginalizadas, e é reconhecido primeiramente pelos pastores que velavam nos campos dos arredores de Belém: “A glória do Senhor envolveu-os de luz”. O anúncio que recebem do nascimento do Cristo Senhor vem acompanhado da promessa de “paz na terra às pessoas de boa vontade”. Como ressalta a carta de Paulo a Tito, Jesus é “a graça que Deus manifestou ao mundo para a salvação de todas as pessoas”. O clima litúrgico dessa noite é de extrema alegria e de profunda gratidão pelo amor infinito de Deus revelado por meio do recém-nascido em Belém da Judeia.

Comentário dos textos bíblicos (missa da noite)
I  Leitura

onição:  Cerca de setecentos anos antes do nascimento de Jesus, o profeta Isaías descreve a esperança de todo o Israel no Messias libertador. Ele é o Príncipe da Paz! Ele é o desejado das nações! É Filho de Deus, mas é também descendente de David.

Liturgia da Palavra
Primeira Leitura

Is 9,1-6

— Leitura do Livro do Profeta Isaías 1O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu. 2Fizeste crescer a alegria, e aumentaste a felicidade; todos se regozijam em tua presença como alegres ceifeiros na colheita, ou como exaltados guerreiros ao dividirem os despojos. 3Pois o jugo que oprimia o povo – a carga sobre os ombros, o orgulho dos fiscais – tu os abateste como na jornada de Madiã. 4Botas de tropa de assalto, trajes manchados de sangue, tudo será queimado e devorado pelas chamas. 5Porque nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho; ele traz aos ombros a marca da realeza; o nome que lhe foi dado é: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos futuros, Príncipe da paz. 6Grande será o seu reino e a paz não há de ter fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reinado, que ele irá consolidar e confirmar em justiça e santidade, a partir de agora e para todo o sempre. O amor zeloso do Senhor dos exércitos há de realizar estas coisas.
- Palavra do Senhor.
- Graças a Deus.

Este belíssimo texto é um trecho do chamado livro do Emanuel (Is 7 – 12), onde, em face da iminência de várias guerras, se abrem horizontes de esperança que se projectam em tempos vindouros, muito para além das soluções empíricas e imediatas: é a utopia messiânica de paze alegria que veio a ter o seu pleno cumprimento com a vinda de Cristo ao mundo. Enquadra-se às mil maravilhas na noite de Natal, em que «uma luz começou a brilhar».Esta luz é o «Menino» (v. 5) que nasce para nós nesta noite, «luz do mundo» (Jo 8, 12; 1, 5.9).

4 «Como no dia de Madiã».Referência à grande vitória de Gedeão sobre os madianitas (Jz 7).

7 O «poder»e a«paz sem fim» serão garantidos para o trono de David pelo Menino de predicados divinos verdadeiramente surpreendentes (v. 5) que, embora expressos em termos semelhantes aos dos soberanos egípcios e assírios, suplantam os predicados de qualquer rei empírico e correspondem ao mistério de Jesus, Deus feito homem.

O povo viu uma grande luz

O texto de Isaías tem como pano de fundo a situação vivida pelo povo de Israel no final do século VIII a.C. A invasão assíria em 722 a.C. teve como consequência a destruição da Samaria, capital do Reino do Norte, e a devastação em várias outras regiões. Muitos habitantes foram levados ao exílio. A situação era de trevas. Porém, o movimento profético de Isaías Primeiro (Is 1-39) desperta a esperança de um novo tempo: o jugo que pesa sobre o povo será quebrado, a canga colocada em seu pescoço será despedaçada, os calçados e as vestes dos soldados serão queimados... Enfim, a noite vai virar dia; a luz vai brilhar nas trevas, anunciando uma época de paz e alegria para todo o povo.

O anúncio profético refere-se ao restabelecimento de uma sociedade governada por um futuro rei, da descendência de Davi, que segue os princípios do direito e da justiça, assegurando a paz social. A tradição cristã aplica-o ao Messias. Ele vem na forma de um menino, filho do povo da esperança: “Um menino nos nasceu, um filho nos foi dado”. Os atributos a ele conferidos indicam sua identidade e missão: é Conselheiro-maravilhoso, fonte de sabedoria e discernimento; é Deus-forte, defensor dos fracos e resgatador dos seus direitos; é Pai-para-sempre, que zela com carinho pela vida de todos os seus filhos e filhas; é Príncipe-da-paz, aquele que aponta o caminho de superação dos conflitos entre os povos e promove as condições de vida plena para todos.

Esse menino é dom de Deus para a alegria do povo. O menino-luz contrasta com o poder das trevas, provocadas pela ambição e pela violência dos poderosos deste mundo. A fragilidade da criança confunde a força dos exércitos. O jeito de Deus revelar-se na história humana não obedece à lógica dos impérios. É possível relacionar o anúncio do nascimento dessa criança e as esperanças profetizadas a respeito para o contexto do profeta com o início da realização plena dessas esperanças no anúncio feito a Maria de Nazaré.


Salmo Responsorial

Monição: O salmo 95 convida-nos a cantar com alegria o nascimento do Deus Menino. Deixemo-nos inundar pela felicidade que nos vem deste Menino, reclinado na manjedoura! Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo Senhor!

Salmo 95 (96)

Resplandeceu a luz sobre nós * porque nasceu Cristo, o Salvador. (bis)
1. Cantai ao Senhor Deus um canto novo, * cantai ao Senhor Deus, ó terra inteira! * Cantai e bendizei seu Santo nome!
2. Foi o Senhor  e nosso Deus que fez os céus: Diante dele vão a glória e a majestade, * e o seu templo, que beleza e esplendor!
3. Oferecei um sacrifício nos seus átrios, * adorai-o no esplendor da santidade, * terra inteira, estremecei diante dele!
4. Ó família das nações, daí ao Senhor, * ó nações, daí ao Senhor poder e glória, * dai-lhe a glória que é devida ao seu nome!

Segunda Leitura

Monição:  S. Paulo convida-nos a vivermos uma vida nova. O nascimento de Jesus «ensina-nos a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos!» Acolhamos Jesus que vem trazer a salvação para toda a humanidade.

Tt 2,11-14

— Leitura da Carta de São Paulo a Tito. Caríssimo: 11A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens. 12Ela nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade 13aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo. 14Ele se entregou por nós, para nos resgatar de toda maldade e purificar para si um povo que lhe pertença e que se dedique a praticar o bem.
- Palavra do Senhor.
- Graças a Deus.

Este breve texto é tirado da 2ª parte da breve carta a Tito. Depois de lhe ter dado orientações pastorais para a organização da Igreja em Creta (cap. 1), passa a desenvolver o tema das exigências da vida cristã (cap. 2 e 3). Na leitura queremos fazer ressaltar o v. 13, que foi adoptado pela liturgia da Missa (final do embolismo) e o v. 14 que é uma síntese da soteriologia paulina.

11 A graça do Baptismo mete-nos no caminho da «renúncia»(recordem-se as renúncias do ritual do Baptismo), pois sem renúncia não se pode seguir a Cristo (cf. Lc9, 23).

13 «Nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo». É uma das mais categóricas afirmações da divindade de Jesus Cristo em todo o N. T. Com efeito, como no original grego há um só artigo para «Deus e Salvador», estas duas designações, Deus e Salvador, referem-se à mesma pessoa, Jesus Cristo.

14 «Um povo especialmente seu», isto é, a Igreja, povo que Jesus Cristo conquista, não pelo poder das armas, mas pelo resgate do seu sangue redentor. A Igreja é o novo povo de Deus.

A salvação é para todos

Tito foi um dos grandes colaboradores de Paulo na missão evangelizadora. Foi excelente animador de comunidades cristãs do primeiro século; verdadeiro pastor que zelou pela vida e pelo bem-estar de suas ovelhas. A tarefa assumida exige muita dedicação e capacidade de discernimento, a fim de manter e anunciar a “sã doutrina” (Tt 2,1). A carta que lhe foi enviada visa orientá-lo e fortalecê-lo nessa missão confiada por Paulo.

O texto escolhido para esta noite de Natal reforça o fundamento da fé e a consequente prática cristã. O fundamento é a graça da salvação universal. Jesus, o Filho de Deus, manifestou--se ao mundo e entregou-se a si mesmo pela redenção de toda a humanidade. Portanto, “a graça de Deus se manifestou para a salvação de todas as pessoas”. Partindo desse fundamento, erigi-se todo o edifício da vida cristã. A prática decorrente da fé em Jesus Cristo, salvador do mundo, deve ser de acordo com os seus ensinamentos, a “sã doutrina”. Isso implica “abandonar a impiedade e as paixões mundanas” para “viver neste mundo com autodomínio, justiça e piedade”.

Essas orientações práticas tornam-se importantes também para nós hoje. Ao celebrar o Natal do Senhor, renovamos o compromisso de viver de modo coerente com a fé que nos foi transmitida. Ao proclamar que Jesus é nosso salvador, estamos também manifestando o propósito de viver conforme o seu evangelho. No meio do mundo – a casa que Deus escolheu para morar –, somos convidados a zelar pelas boas obras “com autodomínio, justiça e piedade”.

Aclamação ao Evangelho

Monição:  Deus é o condutor da História. Serve-se das pessoas e dos acontecimentos para realizar o cumprimento dos seus desígnios divinos em favor do seu povo! Obedecendo ao decreto do imperador César Augusto, José e Maria vieram de Nazaré a Belém, onde deveria nascer o nosso Salvador! Deus cumpriu a sua promessa: Jesus é o Deus connosco, o Emanuel, que os Profetas anunciaram!

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia (bis)
Eu vos trago a Boa Nova de uma grande alegria: * É que hoje vos nasceu o Salvador, Cristo o Senhor.

Evangelho

Lc 2,1-14

— 1Aconteceu que, naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra. 2Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. 3Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal. 4Por ser da família e descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Galiléia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na Judéia, 5para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. 6Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, 7e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria. 8Naquela região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. 9Um anjo do Senhor apareceu aos pastores, a glória do Senhor os envolveu em luz, e eles ficaram com muito medo. 10O anjo, porém, disse aos pastores: "Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura". 13E, de repente, juntou-se ao anjo uma multidão da corte celeste. Cantavam louvores a Deus, dizendo: 14"Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados".
- Palavra da Salvação.
- Glória a Vós, Senhor!

A narrativa do nascimento do Filho eterno de Deus – nunca houve nem haverá Menino como este! – é deveras encantadora na sua simplicidade. O teólogo Lucas, dotado de génio de historiador nada precisa de inventar, para a sua peculiar teologia. Dispondo provavelmente de não muitos dados, como bom historiador, começa por situar o acontecimento no tempo e no lugar.

Ainda ninguém apresentou nenhuma razão convincente para pôr em dúvida o lugar do nascimento de «Jesus de Nazaré» em Belém (a pari, todo o mundo fala de Santo António de Pádua e a verdade é que nasceu em Lisboa!). Por outro lado, as referências do nosso historiador ao tempo não são contaminadas pela sua preocupação teológica de apresentar o nascimento do Salvador, em contraste com o César romano, Augusto, que se ufanava do título de salvador da humanidade. Embora o recenseamento geral na época de Quirino como governador da Síria – que está bem documentado – seja bastante posterior (no ano 6 da era cristã), a verdade é que houve muitos outros censos; Lucas poderia não dispor de dados muito precisos, mas o historiador teólogo não precisava de mais pormenor para que o nascimento de Jesus ficasse enquadrado na História geral. De qualquer modo, a história profana documenta-nos vários recenseamentos a que na época se procedeu; papiros descobertos no Egipto falam de censos ali feitos, em que se obrigavam também as mulheres casadas a acompanharem os seus maridos (para se garantir a verdade das declarações), e a apresentarem-se ante o recenseador ou seu delegado para a prestação das declarações tributárias; assim se explica que Maria tivesse de acompanhar a José numa viagem tão incómoda (cerca de 150 Km). Da escassa documentação romana depreende-se que com Quirino se poderia mesmo ter iniciado um recenseamento durante a sua primeira missão (militar, não como governador) na Síria, entre os anos 10 a 6 a. C.. Dado que o nascimento de Jesus se deu uns seis ou sete anos a. C., em virtude do erro cometido por Dionísio, o Exíguo, quando no séc. VI fez as contas para a adopção da era cristã, a época referida por Lucas concorda substancialmente com os dados da história profana.

«César Augusto», o imperador Octávio, que reinou dos anos 27 a. C. a 14 d. C.

«Belém»,em hebraico bet-léhem, significa casa do pão; ali nasce o «Pão da vida». Fica a uns 8 Km a sul de Jerusalém. Deduz-se que S. José ali teria a sua origem próxima, ou alguma propriedade ou condomínio. Pensa-se mesmo que ele se teria deslocado da sua Belém natal para Nazaré, participando na campanha de expansão religiosa do judaísmo na Galileia dos Gentios, que já se vinha promovendo desde o século II a. C.; não abundando o trabalho neste pequeno lugar, daqui poderia muito bem ir trabalhar nas obras da importante cidade de Séforis, apenas a 5 Km a Noroeste de Nazaré.

6 «Enquanto ali se encontravam». O textodeixa ver, como é compreensível, que estiveram em Belém durante algum tempo antes de o Menino nascer. De facto é inverosímil a aventura de empreenderem uma viagem de cerca de 150 Km nas vésperas do parto.

7 «Filho primogénito». Ao chamar-se Jesus «primogénito» não se faz referência a outros filhos que depois a Santíssima Virgem de facto não veio a ter, mas sim aos direitos e deveres do filho varão que uma mãe dava à luz pela primeira vez (pertencia a Deus, tinha que ser resgatado, etc.). Também parece que «primogénito» era uma designação corrente para o primeiro filho independentemente de que fosse o único, segundo se depreende de uma inscrição egípcia da época, encontrada em 1922 perto do Tell-el-Jeduiyeh, onde se diz que uma tal Arsinoe morreu com as dores do parto do seu filho primogénito.

«Manjedoira». A palavra grega, fátnê, também pode significar curral. Seja como for, fica patente a extrema humildade em que quis nascer o Senhor do mundo. Segundo uma tradição que vem do séc. II (S. Justino, palestino nascido em Nablus), Jesus nasceu numa gruta natural, já fora de Belém. Ali Santa Helena, mãe de Constantino, nos princípios do séc. IV, ergueu uma basílica de cinco naves que, depois de várias modificações, chegou até nós, sendo, por isso, a mais antiga igreja de toda a Cristandade. A confirmar a tradição da gruta, temos vários testemunhos que falam da profanação desta nos tempos do imperador Adriano, que ali erigiu uma estátua de Adónis. Isto confirma que se tratava de um lugar de culto dos primeiros cristãos.

«Hospedaria». A palavra grega, katályma, oferece alguma dificuldade de tradução devido ao facto de tanto poder significar «hospedaria» (o kan que existia em muitas povoações), como «sala de cima» (cf. Lc 22, 11; Mc 14, 14), o aposento superior ao rés-do-chão, que tanto podia servir de salão como de dormitório. É estranho que, em qualquer dos casos, não coubessem mais duas pessoas, dada a boa hospitalidade oriental. Mas, para a hora do parto, não haveria o mínimo de condições de privacidade, por isso se recolhem para uma gruta ou curral. Um relato destes não se inventa, pois não era este o lugar digno para o Messias glorioso que se esperava. É impressionante verificar que para o «Senhor» de toda a Criação não havia na terra um sítio digno!

8 «Pastores». É significativo que os primeiros a quem o Messias se manifesta seja gente desprezada e sem valor aos olhos da sociedade judaica, que os incluía entre os «publicanos e pecadores», pois a sua ignorância religiosa levava-os a constantemente infringirem as inúmeras prescrições legais. O facto de guardarem o gado de noite não significa que não fosse inverno, embora não saibamos nem o dia nem sequer o mês em que Jesus nasceu, o que se compreende, pois então só se celebrava o aniversário natalício dos filhos dos reis e pouco mais. Só tardiamente se começou a celebrar o nascimento de Jesus (em Roma já se celebrava no séc. IV a 25 de Dezembro). Ao chegar a noite, os pastores reuniam o gado numa vedação campestre (redil) e eles abrigavam-se da inclemência do tempo nalguma cabana feita de ramos, mesmo durante o inverno.

14 Com o nascimento de Jesus, Deus é glorificado –«glória a Deus» –e advémpara os homens a síntese de todos os bens – «a paz». O texto original grego pode ter uma dupla tradução, qual delas a mais rica: «homens de boa vontade» (que possuem boa vontade, segundo a interpretação tradicional), ou «os homens que são objecto de boa vontade» (ou da benevolência divina)».Os textos litúrgicos preferiram a segunda, mais de acordo com a visão universalista de Lucas. Segundo uma variante textual (menos provável) teríamos uma frase com três membros: «glória a Deus…, paz na terra, benevolência divina entre os homens».

O nascimento do Salvador

A narrativa do nascimento de Jesus obedece a uma intenção teológica. O Messias deveria nascer em Belém, por ser “a cidade de Davi”. Para Belém se dirige o casal José e Maria, em obediência ao decreto do imperador César Augusto, que impôs o recenseamento de todo o povo, cada um em sua cidade. Cumpre-se assim a profecia de Miqueias: “E tu, Belém, tão pequena entre as cidades de Judá, de ti sairá para mim aquele que governará Israel! A sua origem é antiga, desde os tempos remotos...” (Mq 5,1). No entanto, Lucas ressalta que o ambiente onde se dá o nascimento do Salvador não tem conotação nenhuma com o triunfalismo de um palácio real. O Filho de Deus vem ao mundo numa manjedoura, do mesmo modo que muitas crianças, filhas de pastores e de outras categorias de pessoas marginalizadas. Para elas não havia lugar na cidade, nem mesmo podiam nascer num local adequado de uma casa comum.

O Salvador do mundo esconde-se na figura de um menino pobre (não apresenta nada de poderoso), filho de um casal de trabalhadores anônimos da região da Galileia. Desde o seu nascimento, Jesus solidariza-se com as pessoas exploradas e excluídas pelo sistema oficial de poder. É para essa gente, representada pelos pastores, que é anunciada primeiramente a alegre notícia da chegada de um menino, Deus que se fez carne, nosso redentor.

O anjo anuncia: “Nasceu-vos hoje um salvador, que é o Cristo Senhor!”. O termo “hoje”, para Lucas, tem significado especial. Para além da conotação cronológica, indica o tempo novo que Deus inaugura na história humana. É o tempo da salvação! O sinal é “um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura”. É o sinal da mudança de valores, subvertendo as expectativas de um Messias poderoso. O novo emerge do lugar social dos marginalizados, dos simples e pequeninos. A eles Deus se dá a conhecer e revela-lhes o seu plano de amor e de salvação. São essas pessoas as protagonistas de um mundo de paz; elas são a mediação da boa notícia do amor e da salvação de Deus.

Os pastores dirigem-se imediatamente a Belém para “ver” o que o Senhor lhes dera a conhecer. Encontram um casal comum dispensando cuidados a um filho recém-nascido. Com os olhos da fé, “veem” o Salvador na figura daquela criança. Entre eles estabelece-se uma relação de confiança e de diálogo sobre o sentido de todos aqueles sinais. Jesus, Maria, José e os pastores, na gruta de Belém, formam uma família de Deus, prenúncio da Igreja cristã.

Toda a criação participa deste “hoje”, tempo propício de paz e de alegria. Céus e terra unem--se para a celebração de “boas-vindas” daquele que os profetas anunciaram: o Messias, Senhor e Salvador do mundo. E Maria “conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu coração”. De fato, esse mistério de amor de Deus, revelado no nascimento e em toda a vida de Jesus, só pode ser bem entendido com o coração.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

- A luz que brilha nas trevas. O povo de Is-rael, no meio de uma situação de trevas, recebe o anúncio profético do nascimento de um menino que vem restabelecer uma sociedade de paz e de justiça. Será o fim da opressão que pesa sobre os ombros do povo. A figura de um menino aponta para um futuro novo. Deus age na história humana por meio dos pequenos e fracos que nele depositam a confiança...

- O nascimento do Salvador. Jesus vem ao mundo no lugar social das pessoas excluídas. Desde o seu nascimento, faz-se solidário com todas as pessoas que sofrem as consequências de uma sociedade injusta. O anúncio feito primeiramente aos pastores revela o jeito de Deus manifestar seu plano de amor e de salvação ao mundo: por meio dos simples e pequeninos. A celebração do Natal nos motiva a fazer como os pastores de Belém, pondo-nos a caminho para “ver” Jesus com os olhos da fé e acolhê-lo como nosso Senhor e Salvador; motiva-nos a ser como Maria, conservando cuidadosamente todos esses acontecimentos e meditando-os no coração; motiva-nos a nos relacionar como uma família de Deus, no amor mútuo; motiva-nos a abrir a mente e o coração para acolher a boa notícia de paz na terra... “Hoje” nos nasceu Jesus, o Salvador: cada momento de nossa vida é o “hoje divino”, tempo de graça e de salvação...

- A salvação é para toda a humanidade. Jesus é o Salvador de todos os povos. É o fundamento da fé cristã. Disso decorre nova prática, já não baseada na “impiedade e nas paixões mundanas”, mas no “autodomínio, na piedade e na justiça”. Deste modo, glorificamos a Deus e acolhemos a graça da salvação em Jesus Cristo, mediante uma vida pautada em boas obras...

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