sábado, 4 de maio de 2013

O Papa Não mudou o tom de voz


'O Papa não mudou o tom de voz', diz cardeal brasileiro que ouviu renúncia Segundo Dom João Braz de Aviz, um dos 117 cardeais que podem se tornar Papa no próximo conclave, decisão de Bento XVI foi uma grande surpresa.
Uma segunda-feira que tinha tudo para ser banal, sem qualquer indício de que algo extraordinário poderia acontecer.


Sentada na sala de imprensa, ao lado da Praça São Pedro, no Vaticano, a jornalista italiana Giovanna Chirri, pelo monitor, acompanhava uma cerimônia de rotina do Papa Bento XVI com alguns cardeais.
A repórter da agência de notícias ANSA teve um sobressalto quando a reunião acabou e Bento XVI tomou a palavra em latim. Ela, que estudou a língua, entendeu o que o Papa dizia e deu um dos maiores furos do século, ou dos últimos 700 anos.

“O Papa disse que faria um anúncio importante para o futuro da Igreja, que estava ficando muito velho para governar. Fiquei aterrorizada”, conta.
Bento XVI anunciou a sua renúncia, justificando não possuir mais o vigor físico e espiritual para governar a Igreja.
“Ciente da seriedade desse ato, com total liberdade eu declaro que eu renuncio ao ministério de Bispo de Roma confiado a mim pelos cardeais em 19 de abril de 2005. Em 8 de fevereiro de 2013, às 20 horas, a Sé de São Pedro estará vaga e um conclave para eleger o novo Pontífice Supremo precisará ser convocado”.


Foi assim que Bento XVI anunciou que deixará de ser Papa. “Fiquei muito nervosa, tentei confirmar quando o Papa acabou de falar. Então o Cardeal Angelo Sodano disse que a notícia tinha a força de um raio em um céu claro. Eu estava sentada e as minhas pernas tremiam. Era a demissão de um Papa. Depois que escrevi comecei a soluçar”, conta.


Na sala com Bento XVI estava o cardeal brasileiro Dom João Braz de Aviz. “Eu perguntei: ‘O Papa está se demitindo’? O Papa não mudou nem o tom de voz, nem ergueu os olhos. Realmente foi uma surpresa muito grande pra nós, para todos que estavam ali. Realmente uma novidade que a gente não via há muito tempo”, relata.


Os motivos que teriam levado o Papa Bento XVI a anunciar a sua renúncia, foram discutidos durante toda a semana. Além do cansaço físico, desânimo, intrigas e denúncias de pedofilia na igreja abalaram o Papa. Casos de padres que abusaram de crianças e demoraram para ser julgados pelo Vaticano foram um golpe muito duro.


“A importância de Bento XVI na luta contra a pedofilia é a sua posição muito clara: não se pode mais tolerar a pedofilia. Os padres culpados devem ir para justiça comum. O que faltou fazer? Um decreto que obrigasse os bispos a denunciar os padres pedófilos”, afirma Marco Politi.


No pontificado de quase oito anos, outro escândalo o abalou profundamente. Em maio do ano passado, o jornalista e escritor Gianluigi Nuzzi publicou um livro que chocou a Santa Sé. “Sua santidade” apresentava documentos secretos do Papa, que expuseram cardeais e bispos, principalmente o secretário de Estado, Tarciso Bertone, o segundo posto mais alto do Vaticano.


Para responder à pergunta: quem roubou as cartas de Bento XVI, a polícia vaticana entrou em ação. Como em toda boa história de suspense, o culpado era o mordomo. Paolo Gabriele, que cuidava do apartamento papal, foi preso e confessou. E declarou que a sua intenção era a de proteger o Papa. Mas o mandante, se existe, nunca foi descoberto.


O caso do mordomo ficou conhecido como Vatileaks. Paolo Gabriele foi libertado e perdoado por Bento XVI. “Foi uma questão chata, porque alguém da intimidade, do dia a dia do Papa, com uma atitude que não tem muito a que ver com o que ele fazia. Não se pode pensar em um homem que age assim tão perto do Papa”, afirma Dom João Braz de Aviz.


Em entrevista do ano passado, o escritor contou que os documentos revelavam duras críticas e ataques a Bertone, que vinham de dentro e de fora da Cúria, de autoridades que escreveram ao Papa denunciando atos do secretário de Estado.


Entre as cartas, estava a do então presidente do Banco do Vaticano, Gotti Tedeschi, que teria confessado a Bento XVI o temor de sofrer perseguições por querer mais transparência para o banco.


Em 2010, o Banco do Vaticano foi investigado por lavagem de dinheiro. O então presidente, Gotti Tedeschi, foi demitido pelo Cardeal Bertone há nove meses. O cargo ficou vago até dois dias atrás, quando foi nomeado o alemão Ernest Von Freyberg, presidente de um estaleiro de navios de luxo e integrante de um consórcio que produz navios de guerra.


“Isso não é um bom sinal porque teria sido melhor que a escolha fosse feita pelo novo Papa, com a sua estratégia e com transparência”, afirma Marco Politi.


Vaticanistas apontam a existência de duas facções dentro da cúpula da Igreja. Uma liderada por Tarciso Bertone e outra, pelo ex-secretário de Estado, Angelo Sodano, supondo uma guerra de poder entre elas.


Na missa da quarta-feira de cinzas, o Papa lembrou que Jesus denunciou a hipocrisia religiosa. Para por um fim a uma rivalidade que, segundo Bento XVI deturpa a igreja, ele poderia ter preferido a renúncia para que a Igreja possa recomeçar uma nova estratégia, das cinzas da quaresma, e um novo Papa possa ser eleito até a Páscoa, tempo de ressurreição.


A grande reforma de Bento XVI foi a sua demissão, ter mostrado que o pontificado pode acabar sem a morte de um Papa. Isso completa a reforma de Paulo VI, que queria rejuvenescer a Igreja, e decidiu que os bispos se retirassem aos 75 anos, porque antes ficavam até a sua morte, e que os cardeais não entrassem em conclave depois dos 80 anos.


E que futuro deverá construir para a Igreja o novo Papa? “Tem muitas questões graves que devem ser enfrentadas: a falta de padres, o divórcio, os homossexuais, as relações com as outras igrejas cristãs do mundo. Não sabemos ainda se o conclave terá uma maioria reformista. O certo é que a ala conservadora não vai conseguir impor o seu candidato. Portanto, será um candidato de centro”, afirma Marco Politi.


“Dia 28 acaba a minha missão. Como acaba a de qualquer cardeal. Vou ficar sem emprego, mas eu depois vou para o conclave. Nesse período a gente não tem mais autoridade. Eu sou uma das 117 possibilidades. Mas são 117”, brinca Dom João Braz de Aviz.

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